julho 23, 2010

Sem registro, consultoria oferece ganho acima do CDI a aplicadores




    Por Luciana Monteiro
    Valor Economico
Na recepção do escritório na Avenida Paulista, coração financeiro da cidade de São Paulo, uma mesa de centro espelhada se destaca sobre o piso laminado claro. Nela repousam uma pilha de revistas e uma orquídea rosa. Numa das paredes, uma TV de LCD fica ligada em um canal de notícias financeiras. Um típico cenário de empresa de investimentos, não fosse um detalhe: a companhia em questão, chamada Dinero Consultoria, exerce suas atividades sem registro junto aos reguladores dos mercados financeiro e de capitais. Além disso, dois dos sócios foram advertidos no ano passado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por oferecerem clubes de investimento sem permissão.
Valor foi informado da Dinero por um gestor de recursos, cujos clientes foram seduzidos por ofertas de rentabilidade acima do CDI. A repórter visitou o escritório na semana passada como uma investidora interessada em aplicar recursos e conversou com Wanderley Dias Bertolucci, um dos sócios da empresa. Ele explicou que a Dinero é uma consultoria de negócios que atua em diversas áreas como agronegócio, imóveis, commodities, energia renovável, importação e distribuição de produtos.
Segundo Bertolucci, o cliente empresta dinheiro para a empresa que, em seguida, investe em outras pequenas companhias. O cliente assina um contrato de mútuo, que nada mais é do que um empréstimo, que será remunerado a uma taxa equivalente a 100% da variação do CDI mais "bonificação", de acordo com os resultados do investimento. A Dinero, por sua vez, pega o dinheiro e aplica em outras companhias, afirmou o sócio. No site, a Dinero apresenta inclusive um índice de rentabilidade, o iDin, que, em 13 de julho, apresentava retorno de 0,97% no dia e de 4,59% no mês.
Segundo Bertolucci, ao investir na consultoria, não há como perder. "Aqui você não tem prejuízo. Existem lucros menores e lucros maiores", afirmou. "Porque você jamais emprestaria dinheiro para uma empresa, para uma pessoa, esperando receber menos do que aquilo que você emprestou". Entre os negócios, Bertolucci cita a criação de tilápias. "A gente ainda não colocou o peixe na água, mas o projeto está feito... só falta autorização do Ministério da Pesca."
Valor descreveu as operações a três advogados e todos tiveram a mesma conclusão: ao utilizar essa estrutura, a empresa está atuando como instituição financeira e, para tal, precisa de registro no Banco Central. É como ocorre num banco: o investidor aplica num CDB e, em troca, o banco fecha com ele uma remuneração, avaliou um advogado que preferiu não ser citado. "Eles estão agindo como um banco, captando recursos por meio de algo que eles chamam de contrato de mútuo e prometendo uma rentabilidade como se fosse um CDB", disse o advogado.
Segundo ele, a empresa estaria ferindo a Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964, por atuar como instituição financeira sem ter registro para isso. O artigo 17 dessa lei diz: "Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros." E para atuar como instituição financeira é preciso obter autorização do Banco Central.
Além disso, na visão desse advogado, ao realizar essa atividade sem registro, a consultoria pode ser enquadrada no artigo 16, da Lei 7.492, chamada de Lei do Colarinho Branco. Dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, diz a lei: "Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio." Está prevista pena de um a quatro anos de reclusão e multa para aqueles que ferirem o artigo 16.
Valor voltou a procurar Bertolucci, por telefone, explicando que se tratava de uma reportagem e apresentando as opiniões dos advogados. Ele disse que não precisa de registro tanto na CVM quanto no BC porque não faz a gestão de recursos de terceiros. "A pessoa nos empresta dinheiro; não somos nós que emprestamos a ela, portanto, não há necessidade de registro, pois estamos tomando emprestado", disse ele. "E os recursos que são, em seguida aplicados (e não emprestados), estão no nome da Dinero, não do cliente."
Bertolucci e seu sócio, Wagner de Aguiar Moraes, já foram alvo de deliberação da CVM. Em 14 de abril do ano passado, o órgão regulador tornou pública a deliberação 573, na qual alerta os investidores que os dois, junto com Alexandre de Aguiar Moraes e Marcelo Costa Rocha - que também aparecem no quadro de colaboradores da Dinero -, estavam oferecendo cotas de clubes de investimento de maneira irregular. Os clubes em questão, Axt BV e Axt MF, não possuíam registro na bolsa e os envolvidos também não estavam autorizados a "exercer a atividade de administração profissional de carteira de valores mobiliário e de consultoria."
"Naquele momento, realmente estávamos irregulares", admitiu Bertolucci. "Eu e meu sócio tínhamos um clube informal; nós fazíamos a gestão de recursos de alguns amigos e colocamos num site somente para facilitar o acesso", afirmou ele, ressaltando que o objetivo não era usar a página na internet para captar recursos. No site da Dinero, não há menção a aplicações: os investidores são indicados por amigos, disse Bertolucci.
Procurada, a CVM disse em nota que "ainda não concluiu a análise dos fatos anteriores à edição da Deliberação nº 573" e que não poderia detalhar a investigação.
Os dois sócios da Dinero obtiveram registro na CVM de agentes autônomos em dezembro do ano passado, ou seja, após oferecerem clubes sem registro. E, pelas regras da atividade de agente autônomo, os profissionais da área podem apenas atuar como distribuidores, sem recomendar investimentos.
Procurado, o BC informou em nota que "somente instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central podem oferecer serviços financeiros que possam ser caracterizados como concessão de empréstimos". A nota diz ainda que a Dinero não tem qualquer registro junto ao BC e que a instituição "não se manifesta sobre eventuais investigações ou procedimentos em curso."