julho 26, 2010

Incertezas marcam futuro da Eletrobras


    Josette Goulart, de São Paulo
    valor economico
A estatal Eletrobras vai deixar para o próximo governo uma série de decisões que vão afetar a rentabilidade da companhia e podem alterar a dinâmica de todo o mercado de energia do país. A empresa tem contratos gigantescos de energia vencendo, vai ter de enfrentar o problema do fim de quase 40% de suas concessões, cortar custos operacionais que estão entre os mais altos do setor e ainda se preparar para fazer frente a uma carteira de investimentos de algumas dezenas de bilhões de reais, com taxas de retornos ainda incertas.
O primeiro impacto já virá entre os anos de 2012 e 2013, quando a empresa tem de renovar contratos de 6.000 megawatts (MW). Em 2014, serão mais 3.500 MW. Essa energia é suficiente para derrubar os preços se o futuro governo der prioridade à modicidade tarifária ou, na mesma medida, é capaz de incrementar a receita da Eletrobras se a nova gestão primar pela recuperação dos índices de lucratividade da companhia. Ou seja, a interferência política ganhará peso como condutor da empresa.
No começo deste ano, por exemplo, uma grande negociação que envolveu o governo estadual de Pernambuco; a pressão de sete grandes indústrias como ValeBraskem eGerdau; e o governo federal levou a Chesf a renovar os contratos que tinha com sete grandes indústrias por apenas um pequeno reajuste nas tarifas. Se vendesse no mercado livre, a empresa poderia ter entre R$ 300 milhões a R$ 400 milhões a mais por ano.
A conjunção de tarifas abaixo de outras empresas com custos operacionais elevados deixa a Eletrobras com os piores índices de lucratividade do setor, como mostra um estudo do banco Santander. Toda essa máquina ainda será afetada pelo término das concessões em 2015, decisão que também ficará para o próximo governo, como tem reiterado o Ministério de Minas e Energia.
Mesmo se as concessões da empresa forem renovadas, o Santander estima uma perda de 40% da receita da empresa na parte de transmissão. O diretor financeiro da Eletrobras, Armando Casado, diz que não tem estimativas de como o fim das concessões irá impactar a companhia, até por não sabe ainda como o governo irá resolver a questão. Mas diz que a receita será crescente na medida em que os novos empreendimentos entrem em operação.
Com uma herança de décadas de investimentos pouco rentáveis, o próximo governo vai enfrentar o desafio de tornar viável essa carteira de novos investimentos citada por Casado e que é estimada em R$ 30 bilhões até 2012. Os valores levam em consideração as megausinas hidrelétricas como Belo Monte e as do Madeira. Em transmissão, a Eletrobras também terá papel relevante nas sociedades que vão construir os mais de 2.300 quilômetros de linhões do Madeira. Mas não há ainda uma certeza de que esses investimentos trarão uma rentabilidade mínima que gere valor à empresa.
Desde que o governo federal traçou a estratégia para a Eletrobras de que se torne aPetrobras do setor elétrico, muitas pendências começaram a ser resolvidas na companhia. Ela decidiu pagar os dividendos que devia há algumas décadas. Listou suas ações como ADR na bolsa de valores de Nova York. Traçou um plano estratégico para centralizar o comando e as decisões de suas subsidiárias, como Furnas, Chesf, EletrosulEletronorte. Capitalizou as subsidiárias ao transformar dívida em capital, dando fôlego às companhias individualmente, mas ainda não conseguiu cortar custos. Nem mesmo na holding.
O relatório "O Gigante se move" do Santander, assinado pelo analista Márcio Prado, mostra que os custos médios com pessoal na holding Eletrobras aumentaram cerca de 60% em apenas quatro anos, entre os anos de 2005 e 2009. É o que equivalente a uma taxa média por ano de 12%, bem acima da inflação de menos de 5%. A Eletrobras diz que já tem pactuadas algumas metas de desempenho empresarial (financeiras, operacionais e socioambientais) com suas controladas. O diretor financeiro não revela as metas de cortes de custos, diz apenas que vão depender de empresa para empresa e que estão em plena negociação. Mas é difícil que cortes de gastos aconteçam neste ano.
A baixa eficiência operacional das companhias da Eletrobras a colocam hoje em uma situação difícil se comparada a outras empresas do setor, como mostra o estudo doSantander. Enquanto a Tractebel, companhia geradora que pertence ao grupo GDF Suez, tem uma capacidade de gerar um caixa de R$ 2.200 por cada empregado que possui, a Chesf que é a empresa com o melhor índice dentre as subsidiárias da Eletrobras gera apenas R$ 368. A Cemig, que também é uma estatal, gera R$ 1.120. Mesmo a paranaense Copel , que fica bem atrás da companhia mineira, ainda gera quase o dobro do desempenho da Chesf, R$ 603 de lajida por empregado. Na atividade de distribuição não é diferente.
A Eletrobras tenta se justificar ao mostrar que é uma companhia que, diferente das outras, atua em todos os Estados brasileiros e isso leva a maiores custos. Mas a companhia ainda tem um forte componente político em sua administração e na determinação de preços da energia. E isso preocupa os investidores de bolsa de valores que aguardam para ver se a transformação da Eletrobras se dará em todos os níveis.
A companhia tem alguns privilégios. Um deles é o chamado "subsídio" dado pelo governo, pela Lei 11.112, e que vai ressarcir a empresa do custo com combustíveis para gerar energia termelétrica em sistemas isolados, uma conta conhecida como CCC e que é paga por todos os consumidores do país. A previsão é de que essa conta fosse reduzida neste ano, mas a Lei mudou isso e vai beneficiar diretamente a Eletrobras. Pelos cálculos do Santander, serão R$ 1,5 bilhão para a estatal. A Eletrobras espera ainda a regulamentação, mas diz que será acima de R$ 1 bilhão. "Os subsídios devem melhorar os resultados no curto prazo, mas não vemos melhorias operacionais reais até agora", diz o analista Márcio Prado em seu relatório.
"O que podemos dizer é que estamos buscando chegar aos patamares das outras empresas que foram comparadas com a Eletrobras no próprio relatório do Santander, como a Cemig e a CPFL, e, no futuro, melhorar ainda mais essas metas e resultados", disse Casado.