O dono quis virar assalariado
Fonte: Isto é dinheiro
Na contramão do mercado americano, empresários brasileiros recebem supersalários, mesmo depois de abrirem o capital da companhia. Essa prática deverá ser inibida com as novas regras da Bovespa
Por Carlos Eduardo Valim
O americano Warren Buffett, 80 anos, é conhecido pelo epíteto de “Oráculo de Omaha”. A fama é decorrente dos certeiros investimentos feitos pela Berkshire Hathaway, a holding que ele comanda a partir da remota cidade no Estado de Nebraska. Desde a década de 1960, Buffett acumula as posições de principal investidor, presidente do conselho de administração e CEO. Tamanha dedicação lhe rende um salário anual de US$ 100 mil. Nada de bônus ou opções de ações. Mesmo assim, Buffet é o terceiro homem mais rico do mundo, com uma fortuna estimada em US$ 50 bilhões, segundo a revista Forbes. Seus rendimentos vêm dos dividendos gerados pelos negócios que administra e dos quais é dono.
No Brasil, também não é difícil encontrar empresários que, assim como Buffett, acumulam a função de acionista e gestor de empresas que ostentam seus sobrenomes. Só que, ao contrário do colega americano, os salários recebidos por esses empresários-executivos chegam a patamares elevados, mirabolantes até.
*Remuneração fixa prevista para 2011
O empresário carioca Eike Batista, por exemplo, recebeu um contracheque de R$ 71,2 milhões em 2010 para comandar a OGX, do setor de petróleo, e ainda supervisionar o trabalho, como presidente do conselho, de suas outras quatro empresas de capital aberto. Desse total, cerca de R$ 4 milhões são de salário fixo. O restante dessa bolada é amealhado sob o título de remuneração variável, em razão do desempenho das companhias. Rubens Ometto, dono da Cosan, que se uniu com a anglo-holandesa Shellpara dar origem a Raízen Energia, embolsará R$ 13 milhões em 2011 para ocupar o cargo de presidente do conselho de administração da companhia. Ometto poderá ganhar ainda mais, pois seu bônus pode chegar a 25% desse valor.
Não há, diga-se, nenhuma irregularidade em acumular cargos e receber salários. Como proprietários, esses empresários-executivos conhecem o negócio como ninguém. Ao abrir o capital de suas empresas, eles também passaram a contar com acionistas, a quem devem prestar contas. “O problema são as distorções, como um salário fixo altíssimo”, afirma Edison Garcia, supervisor da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec). Segundo comunicado do grupo EBX, de Batista, as empresas abertas controladas pela holding adotam as melhores práticas de governança. “Em caso de potencial conflito de interesse entre as funções de controlador e presidente na OGX, apenas conselheiros independentes votam”, informou. Ometto não se pronunciou até o fechamento desta edição.
O caso dos dois empreendedores chama atenção quando comparado com a prática adotada por ícones do capitalismo global. É o caso de Steve Jobs, fundador e CEO da Apple. Para dirigir a companhia da maçã, que fatura US$ 65 bilhões por ano, e é a segunda empresa mais valiosa em valor de mercado dos Estados Unidos, Jobs ganha a bagatela de US$ 1. Todo seu rendimento advém dos dividendos relativos à sua participação acionária na criadora do iPhone, além de sua posição no conselho de administração de empresas como a Walt Disney Company, da qual é o maior acionista individual.
O fundador da loja online americana Amazon e criador do livro digital Kindle, Jeff Bezos, recebe US$ 82 mil por ano. Mas, assim como no Brasil, há exceções. O bilionário excêntrico e aventureiro Larry Ellison, fundador e CEO da Oracle, recebeu nada menos de US$ 68,6 milhões, no ano passado. Sua fortuna, estimada em US$ 39,5 bilhões, o coloca como o quinto homem mais rico do mundo.
A saída encontrada por muitos empresários-executivos é manter uma política de transparência sobre os seus ganhos. “Meu salário é simbólico”, diz José Isaac Peres, fundador, CEO e presidente do conselho da construtora e administradora de shopping centers Multiplan. “Mas, se a empresa crescer mais de 15%, meu bônus será fantástico.” Em 2010, o lucro da companhia cresceu 36%, chegando a R$ 218 milhões. Resultado: Peres teve um rendimento anual de R$ 5 milhões. “Não é a empresa que me paga”, afirma Peres. “Sou eu.”
É a mesma linha seguida por Laércio Cosentino, presidente do conselho e CEO da Totvs, desenvolvedora nacional de software. Para os executivos da diretoria da Totvs, explica ele, a maior parte da remuneração vem em bônus e opções de ações. No conselho, no entanto, há um valor fixo de R$ 193 mil anuais. “Até para que existam pessoas avaliando se não estamos sacrificando o futuro, em troca de resultados rápidos”, diz Cosentino. Por acumular as duas funções da empresa, que faturou R$ 1,1 bilhão e lucrou US$ 138 milhões em 2010, ele ganhou um salário de R$ 3,4 milhões.
Essa vida dupla, de presidente de conselho e principal executivo na área operacional, está com os dias contados nas empresas brasileiros de capital aberto. Em 2013, entra em vigor uma regra do Novo Mercado, da BM&FBovespa, que proibirá o acúmulo das duas funções. A alteração, segundo consultores, deve garantir maior transparência na política de remuneração, evitando conflito de interesses. Resta saber se os patrões-empregados brasileiros terão o mesmo desprendimento do trio Jobs, Bezos e Buffett ou se preferirão fazer companhia à Ellison, da Oracle.


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