Mitos sobre bolhas de mercado
Como prometido, escrevo sobre o excelente artigo de Brian Bloch, publicado pela Investopedia em seu site, intitulado “O mito sobre bolhas de mercado”. O objetivo do artigo é desmistificar certas “verdades” que a imprensa publica sobre o mercado financeiro e nas quais o próprio senso comum parece acreditar, tais como as idéias de que as bolhas são invisíveis e de que é fácil sair delas antes de a crise estourar.
A definição de bolha assumida no artigo é clara: “uma bolha é um mercado superaquecido no qual existem muitos compradores ávidos por comprar mais.” Como resultado, os preços aumentam muito, muito rápido, até que a situação se torne insustentável. Durante o desenvolvimento do processo, mais e mais pessoas começam a duvidar da sustentabilidade dos preços e começam a vender — e a bolha estoura, pois as pessoas entram em pânico, vendem seus ativos e os preços despencam (às vezes, até abaixo do ponto em que deveriam estar). E muita gente leva prejuízo…
Um dos mitos combatidos no artigo é o de que as bolhas são invisíveis. Segundo os autores, apesar desta ser uma “verdade” para boa parte da imprensa, essa é uma mentira: é verdade que algumas bolhas são mais visíveis do que outras e que algumas pessoas estão em posição melhor para percebê-las do que outras. Um especialista no mercado é capaz de enxergar a situação melhor do que um cidadão comum. Mas, segundo Bloch, uma coisa é clara: TODAS as bolhas são, em maior ou menor grau, identificáveis. Os indicadores de mercado mostram paulatinamente o quão absurdo está o nível dos preços dos ativos, e em mercados com indicadores mais nebulosos, o padrão de comportamento de compradores e vendedores, além das próprias notícias que circulam pela imprensa, se modificam em relativamente pouco tempo. Todo mundo passa a acreditar que investir naquele mercado é um ótimo negócio: você encontra aquele velho colega de escola que não queria saber de nada na vida e ele te diz que está pensando em investir naquilo, e que você seria um idiota se não investisse também.
A mensagem de Bloch é dura e certeira: se os profissionais do mercado não a enxergam e alegam que “ninguém poderia ver a bolha se formando”, é porque eles deveriam estar fazendo outra coisa. Os sinais existem e são claros: não existem bolhas invisíveis! Isso me faz lembrar de uma entrevista que ouvi ainda em 2006, na rádio CBN, em que um economista já avisava dos riscos dos empréstimossubprime nos Estados Unidos para o mercado imobiliário de lá. E isso dois anos antes da bolha explodir…
Mas se os sinais existem e são relativamente claros, por que as pessoas têm prejuízo com a bolha? Não seria mais racional tirar dinheiro do mercado até que a situação se normalizasse? E se todo mundo fosse racional e agisse assim, não seria razoável esperar que os preços tivessem uma queda lenta para se ajustar à realidade do valor dos ativos? O problema é que nem todo mundo é racional — e a euforia e o pânico nas bolsas provam isso. E, além disso, é possível ter bons lucros em uma bolha, tanto no momento em que ela se forma (comprando e vendendo ativos), tanto no momento em que ela “explode” (operando com derivativos no mercado de ações, por exemplo).
Pense em uma construtora de Brasília: ela sabe que os preços daqui são irreais, mas continua a construir prédios e imóveis. As construtoras têm ganho muito dinheiro aqui em um mercado com uma bolha em formação já há alguns anos. Elas vendem apartamentos e casas e lucram substantivamente com isso. Na hora que a bolha estourar, elas sofrerão um pouco, é verdade, mas já terão ganho muito, muito, muito dinheiro com ela. O prejuízo subseqüente é perfeitamente amortizável do lucro imenso que ela obteve no período. Isso ocorre se seu proprietário for responsável e, ciente da irrealidade da situação, guardar um pouco dos lucros para a época de vacas magras. Se isso não acontecer, é perfeitamente possível que ele também afunde, levando os compradores de imóveis na planta pro buraco. Na maior parte das vezes, quem perde dinheiro com a bolha é o investidor, não o vendedor do bem.
Segundo Bloch, é por causa dessa dinâmica que há um “consenso” de que as bolhas são invisíveis e que, por isso, ninguém as vê chegando. Imagine que você comprou um apartamento por R$ 600.000,00 e, dois anos depois, ele passou a valer R$ 350.000,00. Aí você bate na porta do dono da construtora que vendeu a unidade para você e tem a seguinte conversa com ele:
Você: – Pô, você me vendeu um apê prometendo que ia render um bom lucro e agora tô no maior prejú!!
Construtor: – Ah, meu senhor… eu realmente sabia que os preços eram irreais, mas eu resolvi vender assim mesmo, pra faturar algum!
Você acha que é isso que vai acontecer? Não, claro que não! Se ele disser, você pode até propor uma ação contra ele, alegando ter sido enganado ao fechar o negócio. O sujeito vai dizer o seguinte:
- Ah, é verdade. Eu lamento seu prejuízo. Na verdade, minha construtora também está tendo muito prejuízo porque a demanda diminuiu inesperadamente e tivemos que baixar o preço do imóvel.
Pois é: você vai perder a ação, porque o sujeito “também não sabia” disso. Se ele sabia, tinha intenção deliberada em te prejudicar; se não sabia, foi tão “enganado” pelas circunstâncias de mercado quanto você. Portanto, você não tem como anular o negócio feito e vai ter que engolir o choro e o prejuízo.
Segundo Bloch, essa é a razão pela qual boa parte dos agentes do mercado diz que “não viu a bolha chegando”. Se eles a tivessem visto e alertassem seus clientes, deveriam vender suas posições do mercado e se posicionar de acordo com essa premissa. Mas, como podem ganhar dinheiro com a bolha, é melhor ficar de bico calado e depois dizer que não sabia de nada.
“Mas Fábio, as instituições financeiras também perdem dinheiro com as bolhas. Por que isso acontece?”
Segundo Bloch, isso acontece porque os agentes de mercado são egoístas e ávidos por lucro. Querem descobrir a hora exata em que a bolha vai estourar, a fim de vender suas posições momentos antes. Eles querem obter o maior lucro possível. E não apenas eles: os pequenos investidores, mesmo conscientes da situação, também pretendem descobrir a hora exata de sair do mercado.
O problema é que… eles não descobrem. Continuam comprando até depois que a bolha estourou, achando que na verdade foi só uma queda temporária, e que logo o mercado se recuperará. Mas ele não se recupera e os preços dos ativos continuam caindo, até que não resta ao investidor de curto prazo outra alternativa a não ser… VENDER, por pânico e desespero. Os investidores de longo prazo, por sua vez, sabem que isso tudo é temporário e que no futuro tudo voltará a ser como antes. E, comprando o desespero alheio, passam a adquirir ativos a preços muitos mais baixos do que os de antes.
E o que você, pequeno investidor, pode fazer para se proteger de situações como essa? O conselho dele é claro: “Monitore o mercado por si só. Como sempre, você se preocupa com seu próprio dinheiro infinitamente mais do que qualquer outra pessoa. Informação, conhecimento e vontade de perguntar são críticos para evitar ser escaldado pelo estouro de uma bolha”.


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