Sabe por que Abu Dhabi está comprando ações no Brasil?
O fundo soberano Adia, de Abu Dhabi, tem mais de 600 bilhões de dólares para investir — seu gestor explica por que está comprando ações no Brasil
Eduardo Favrin, gestor do fundo soberano Abu Dhabi Investment Authority
São Paulo - Onze meses. Foi o tempo que os executivos do Abu Dhabi Investment Authority (Adia), um dos maiores fundos soberanos do mundo, levaram para concordar em conceder esta entrevista. Com patrimônio estimado em cerca de 630 bilhões de dólares — formado pelas reservas que Abu Dhabi, o maior dos Emirados Árabes, acumulou com a venda de petróleo —, o Adia se move devagar e em silêncio.
Decisões de investimento podem levar anos. Mudanças de estratégia — por exemplo, colocar mais recursos em ações do que em imóveis — não costumam ocorrer em menos de uma década. “Para nós, curto prazo são três ou cinco anos”, disse, numa de suas raras entrevistas, o xeque Ahmed bin Zayed Al Nahyan, ex-diretor-geral do Adia, morto em 2010.
Recentemente, a América Latina ganhou destaque nas operações do fundo. Em 2009, foi montado um departamento para cuidar de investimentos diretos em ações de empresas da região, com uma equipe formada, em parte, por brasileiros. Desde março, o chefe dessa área é Eduardo Favrin, que foi gestor de renda variável do banco HSBC no Brasil.
O Adia, claro, não divulga quanto tem de aplicações aqui. Diz apenas que entre 10% e 20% de seu patrimônio estão investidos em bolsas de países emergentes, sem especificar quais. Nesta entrevista a EXAME, Favrin diz que a Bovespa só está cara para quem pensa em ganhar dinheiro no curto prazo.
EXAME - O lucro das empresas brasileiras caiu e a Bovespa está no mesmo patamar de três anos atrás. Vale a pena investir aqui?
Eduardo Favrin - Claro. O Brasil tem uma combinação de fatores positivos que chama a atenção de grandes investidores, como o Adia. O desemprego caminha para os níveis mais baixos da história, os juros estão num novo patamar, a classe média está em expansão e, além disso, a população é jovem.
Há um bônus demográfico enorme para ser absorvido nos próximos anos. Isso também acontece em outros países da América Latina, como Colômbia e México.
EXAME - A bolsa mexicana tem recebido mais investimentos de estrangeiros e seu desempenho tem sido melhor que o da Bovespa. O México é melhor que o Brasil para quem investe?
Eduardo Favrin - Talvez seja para aqueles que pensam no curto prazo, o que não é nosso caso. Há uma série de fatores positivos no México. O país ganhou competitividade em relação à China em alguns setores e há mais empresas terceirizando sua produção para lá. O novo governo foi eleito com promessas de reformas, como a trabalhista, que são vistas como positivas. E a economia mexicana vai se beneficiar da recuperação americana, quando ela ocorrer.
Além disso, as aberturas de capital estão ocorrendo, o que coloca o mercado em evidência e traz novos investidores. Ou seja, realmente há apelos imediatos. Mas, se você olha para o médio e o longo prazo, outros países são promissores. Quando se fala de América Latina, o tamanho dos mercados é uma barreira: há bolsas muito pequenas, sem liquidez, que são inviáveis para investidores como nós. Consideramos, basicamente, Brasil, México, Chile, Peru e Colômbia, e somos muito otimistas com o Brasil.
EXAME - Alguns investidores dizem que esse cenário positivo para o Brasil já “está no preço” da maioria das ações, especialmente as voltadas para o consumo interno. As empresas brasileiras ficaram caras?
Eduardo Favrin - De fato, há um descompasso entre o que os investidores estão dispostos a pagar e o que alguns empresários pedem, por exemplo, para abrir o capital de suas empresas. Essa é uma das causas dessa parada de abertura de capital no país. Mas é algo passageiro.
Não houve bolha no mercado brasileiro de capitais, há muitas empresas preparadas para lançar ações e isso deve voltar a ocorrer. Em relação às companhias que já estão na bolsa, as oportunidades existem para quem está disposto a suportar essa volatilidade de curto prazo.
Esse é o caso do Adia. Somos um fundo soberano e, assim, não temos de nos preocupar com coisas como vender ativos em períodos de estresse. A missão de gestores com o meu perfil é buscar investimentos que gerem bons retornos ao longo dos anos. Com essa perspectiva, as empresas brasileiras estão com preços interessantes. A volatilidade acaba criando oportunidades.
EXAME - O Adia está investindo mais no Brasil?
Eduardo Favrin - O interesse pela América Latina é crescente, e isso tem se refletido nos valores que estão sendo destinados à região. Infelizmente, não posso divulgar os números. A decisão de onde investir o patrimônio do Adia é tomada por um comitê de estratégia, formado pelos diretores do fundo. De 10% a 20% do patrimônio estão nas bolsas de países emergentes.
EXAME - Quais ações brasileiras o fundo está comprando?
Eduardo Favrin - Em tese, todas as companhias voltadas para a economia doméstica ganham com uma perspectiva de consumo em alta e juros em baixa, mas essa é uma visão simplista. Para fazer bons investimentos, é preciso analisar no detalhe. Estamos otimistas com os setores de educação, bens de capital e infraestrutura, que incluem construção, energia elétrica, logística.
De forma geral, esses setores contam com boas empresas com preços atraentes. Também vemos oportunidades em indústrias mais dependentes do mercado externo, como as de commodities.
Nossa visão para os países emergentes que consomem alimentos, minério e outras commodities é positiva: essas economias devem continuar crescendo mais do que a média mundial. Se isso ocorrer, haverá demanda por esses produtos.
EXAME - Algum desses investimentos pode dar retorno no curto prazo ou tudo vai levar anos para ser rentável?
Eduardo Favrin - As ações de infraestrutura podem dar retorno no curto prazo. Temos uma visão positiva para 2013, com todas as obras que estão sendo feitas para a Copa de 2014 e para a Olimpíada de 2016.
EXAME - Os resultados dos bancos serão afetados no longo prazo?
Eduardo Favrin - Todas as empresas precisam se adequar a um novo patamar de juros. Ao longo do tempo, esse ajuste é positivo para a economia, mas não necessariamente para todas as companhias. Os bancos vão precisar se adaptar — estou avaliando quanto desse impacto já está refletido no preço das ações.
EXAME - O governo tem adotado medidas que influenciam os resultados de companhias abertas, inclusive as privadas. Isso não é um risco para os investidores?
Eduardo Favrin - Esses são eventos que têm impactos de curto prazo. Pode haver algum abalo momentâneo no preço das ações porque muitos investidores reagem fortemente a esse tipo de notícia, mas não acredito que ele dure. Os anúncios do governo não mudaram um centímetro nossos planos para o Brasil.


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