julho 07, 2010

Belo Monte só sai do papel com sócio privado



    Cláudia Schüffner, do Rio
    Valor Economico
Leo Pinheiro/Valor
Foto Destaque
Muniz, presidente da Eletrobras: "Quem é contra (a usina) não conhece o projeto e nem as condições de vida da população ribeirinha de Altamira"
É impossível tocar uma obra do porte da usina hidrelétrica de Belo Monte sendo uma empresa estatal. Esse é o tom que tem norteado a atuação da Eletrobras, líder do consórcio que venceu a licitação para construção da usina, desde que assumiu efetivamente o projeto. Surgem críticas de todos os lados sobre a maciça presença de estatais no consórcio, mas efetivamente elas estão limitas aos 49,98% que a Eletrobras possui, divididos com suas controladas. Mas com a entrada em peso dos fundos de pensão de estatais como a Previ (dos funcionários do Banco do Brasil), Petros (da Petrobras) e Funcef (da Caixa Econômica Federal), é clara a sensação de uma presença mais forte da União. Os fundos de pensão são controlados, direta ou indiretamente, pelo governo federal.
Em entrevista ao exclusiva Valor, o presidente da Eletrobras, José Antonio Muniz Lopes, defende a participação privada no consórcio dizendo que hoje é impossível construir hidrelétricas tendo de obedecer à Lei 8.666, que regula as licitações. A permissão para a Eletrobras adquirir bens e serviços através de licitações simplicadas foi incluída na MP 450, votada em março do ano passado, que também autoriza a União a participar do Fundo de Garantia a Empreendimentos de Energia Elétrica (FGEE). Mas ainda é necessário um decreto presidencial para que a medida possa entrar em vigor e o presidente da estatal diz que prefere esperar que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue o caso da Petrobras, antes de pedir ao presidente Lula que assine o decreto.
A Petrobras obteve uma liminar, em mandado de segurança, para suspender efeitos de uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que a obrigava a aplicar a Lei 8.666, mesmo tendo direito a um regime simplificado de licitações estabelecido pelo decreto nº 2.745/98.
A Eletrobras está negociando agora a entrada de novos sócios no projeto. Muniz prefere não falar em nomes, mas deixou escapar que o grupo negocia a entrada da construtora baiana OAS, além dos fundos de pensão. "Vamos aguardar a composição da SPE (Sociedade de Propósito Específico), que está em formação. A Eletrobras continua com 49,98% e teremos ainda os fundos de pensão. Não posso dizer ainda quais (sócios) porque ainda estamos em entendimento. Enquanto a gente não aprovar, são todas especulações, corretas ou incorretas", disse Muniz.
No mês passado, o Valor apurou que o consórcio estava praticamente fechado e os fundos teriam cerca de 30% da sociedade. A única participação direta seria da Petros, com 10%. Havia dúvidas ainda sobre o percentual da Cevix e da Queiroz Galvão no negócio.
As negociações estão sendo conduzidas pelo diretor de Engenharia, Valter Cardeal, o homem de confiança da candidata do PT à presidência, Dilma Rousseff, e devem ser concluídas até o fim deste mês. Do lado estatal Belo Monte terá participação da Eletrobras (15%), Chesf (15%) e Eletronorte (19,98%), que também será a operadora da usina, como define o presidente da holding. Questionado se a entrada de novos sócios capitalistas, como os endinheirados fundos de pensão, não irá fazer com que os demais participantes do consórcio vencedor - Construtora Queiroz Galvão, Galvão Engenharia,Mendes Junior Trading Engenharia, Serveng-CivilsanJ Malucelli Construtora de Obras,Contern Construções e Comércio, Cetenco e Gaia Energia e Participações - tenham uma participação quase cenográfica no projeto, Muniz responde que não. "Será uma empresa privada com grande participação da Eletrobras, mas vai ser uma empresa privada."
Um apaixonado pela obra de Belo Monte, que ele estuda desde que trabalhava na Eletronorte, 25 anos atrás (Muniz presidiu a Eletronorte e a Chesf antes de assumir a holding), defende a construção da quarta maior hidrelétrica do mundo - atrás apenas de Três Gargantas (China), Itaipú e Xinadou (China) - dizendo que os que são contra não conhecem o projeto e nem as condições de vida da população ribeirinha de Altamira.
Muniz é enfático quando diz que o futuro está na construção de usinas plataforma, com o objetivo de reduzir ao mínimo os impactos ambientais e a intervenção humana no local depois da construção, evitando assim que contingentes de trabalhadores ergam novas cidades ao redor da obra.
De novo, o exemplo vem da empresa que a Eletrobras toma como modelo. A ideia é adotar o sistema das plataformas de produção da Petrobras em alto mar, que ficam isoladas e só são acessíveis por meio de helicópteros que levam e trazem os trabalhadores que cumprem turnos mais longos de trabalho e folgas. É esse desenho que a Eletrobras vai buscar na construção do projeto que atualmente é a menina dos olhos de Muniz: as cinco hidrelétricas do complexo do Tapajós: São Luiz do Tapajós (6.133 MW) e Jatobá (2.338 MW), ambas no rio Tapajós, e Cachoeira do Caí (802 MW), Jamanxim (881 MW) e Cachoeira dos Patos (528 MW), todas no rio Jamanxim. Os dois rios fazem parte da bacia Amazônica e estão sendo planejadas dentro do que Muniz chama de "conceito de inserção regional" .
Muniz mostra em um mapa o rio Xingu e o local da construção de Belo Monte e os rios Tapajós e Tocantins se encontram, tendo a Transamazônica no meio e a cidade de Altamira, no Pará, com seus 70 mil habitantes. "Aqui ficam as melhores terras roxas do Brasil, tem cacau, madeira e se pode adensar a cadeia produtiva", diz o executivo. O nome da Celpa (distribuidora do Pará controlada pelo grupo Rede e da qual a Eletrobras tem 34%) surge quando Muniz explica a intenção de manter 10% da energia gerada por Belo Monte e destinada aos autoprodutores na própria região. "É uma energia que a gente quer que fique, claramente, no Pará. A Eletrobras entende que é importante diminuir os desníveis entre as regiões", explica. Segundo Muniz, o Pará é o Estado "que vai garantir o futuro da energia hídrica no Brasil", e onde estão todas as grandes usinas hidrelétricas futuras no país entre elas Belo Monte, a hidrelétrica de Marabá (2.160 MW) e o complexo Tapajós, com 10.682 MW.